Teatro: grupos jovens promovem mudanças a cada sessão
Daniel Schenker *, Jornal do Brasil
RIO - Quando se observa o destemido caminho traçado por diversas companhias fundadas recentemente por diretores e atores em início de carreira, no Rio, percebe-se que a sabida necessidade juvenil em se opor à ordem instituída não se reduz a uma inconsistente tomada de posição.
Os grupos, que começam a se impor no panorama teatral da cidade, vêm mostrando interessantes trabalhos em processo, alguns propositalmente ainda inacabados.
A idéia é criar estruturas abertas na relação com o espectador e incluir o acaso como elemento de transformação da cena. O teatro é ressaltado como manifestação conectada ao presente, ao instante imediato da apresentação.
É o diagnóstico que pode ser detectado, por exemplo, no coletivo Pequena Orquestra, que entra em cartaz nesta quinta-feira, no Teatro Glaucio Gil, em Copacabana, com Madrigal em processo, formulado a partir de duas referências: o filme Blow up, de Michelangelo Antonioni, e o livro A invenção de Morel, de Adolpho Bioy Casares.
– Para o entendimento do público, o trabalho nunca deixará de ser visto como processo. Experimentamos cenas diferentes todas as noites – conta Rodrigo Nogueira, um dos 10 integrantes do coletivo, que não é conduzido pela figura de um diretor.
Variações a cada noite
À frente da Cia. de Teatro das Inutilezas, Emanuel Aragão também caminha na contramão de uma concepção cristalizada. Tanto que vem investindo numa desconstrução da peça Um homem e três janelas, que, após ser apresentada em ensaio aberto no ano passado, chega dia 13 ao Centro Cultural da Justiça Federal.
– Antes havia uma organização mais fechada. Agora o texto existe como sugestão. Cada atriz tem uma seqüência de ações para realizar. Mas variações são admitidas. Busco uma estrutura porosa – sublinha Emanuel, que concebeu este trabalho a partir da perspectiva da memória, da reinvenção do passado no presente.
Duas companhias jovens – a Teatro Independente e a Pangéia – ambas vencedoras do Edital de Teatro da secretaria estadual de Cultura, estão com novos projetos. A primeira, elogiada pelo resultado alcançado com Cachorro!, investirá em Rebu, centrado na história de um casal que decide levar um bode para casa.
Como o espetáculo anterior, o texto será assinado pelo elogiado dramaturgo Jô Bilac.
– Gosto do que desvirtua, causa estranhamento e propõe uma quebra na narrativa linear – enumera o diretor Vinicius Arneiro.
A iniciativa da Pangéia é partir para a segunda parte da trilogia iniciada com Passagens. Trata-se de A casa, que vai abordar relações na instância privada sob a influência de um artigo do psicanalista Charles Melman, A família está acabando.
– O contato entre as pessoas é cada vez mais escasso. Se antes o virtual existia no plano da imaginação, nesse momento toma outra proporção – assinala o diretor Diego de Angeli, que retoma a temporada de Passagens, em abril, no Centro Cultural da Justiça Federal, e estréia A casa, no mesmo teatro, em outubro.
Melman vai influenciar ainda a próxima montagem da Cia. Casa de Jorge. O diretor Jorge Caetano planeja a encenação de O céu está vazio a partir de um estudo do psicanalista, chamado O homem sem gravidade.
– Com essa expressão, o autor se refere à falta de fé dos tempos atuais, à falta de chão afetivo. Melman diz que estamos passando de uma sociedade neurótica para uma perversa, na qual o foco é o voyeurismo – explica Caetano.
A inspiração na obra alheia também move o diretor da Aquela Companhia, Marco André Nunes. O que não significa que ele abra mão de produzir uma dramaturgia própria. Depois de Kafka, Goethe e Herman Hesse, vai investigar o James Joyce de Retrato de um artista quando jovem, obra que servirá de fonte de ponto de partida para Pedro Kosovski, membro do grupo, escrever o texto.
– Há uma tentativa de sobrevivência do artista que passa pela necessidade de agradar. Mas, às vezes, o pensamento crítico tende a despertar reações extremadas no público – observa Nunes.
Joelson Gusson, da Cia. Dragão Voador, é outro diretor que saiu à cata de embasamento para a realização de Manifesto ciborgue – no caso, o artigo de título homônimo de Donna Haraway.
– Quando passei a dirigir, quis investir em montagens geradas por conceitos em vez de contar histórias. Em Manifesto ciborgue, procurei focar em algumas perguntas. Como lidamos com o nosso corpo e o corpo do outro? Diante da certeza da inevitabilidade da morte, como administrar a necessidade de não deixar o tempo passar e o corpo envelhecer? – questiona Gusson, que já assinou as encenações de As criadas, de Jean Genet, e O que nos resta é o silêncio.
O Teatro de Nós, grupo formado na UniRio, mergulhou no universo de Woody Allen. O processo passou pela leitura de (e sobre) suas obras e por sessões de vídeos de todos os filmes do diretor para que se esmiuçasse a delicada fronteira entre autor e personagem.
– A pessoa sabe que é fruto de um ser maior (o criador?) que pode destruí-la a qualquer momento. Mas bola para frente. Afinal, a vida é assim – resume o diretor Diego Molina.
– É essa a proposta do trabalho.
* Especial para o Jornal do Brasil
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